A música de juventude de Poulenc reflecte as influências de Satie e das correntes então em voga na Europa, manifestando, segundo Mosco Carner, a sua "forte predilecção pela música do circo, das feiras e do music-hall" e a sua adesão à estética dos membros do Grupo dos Seis que "cultivavam deliberadamente o banal, o lugar-comum e o brutal, amando simultaneamentea a graça da musiquette". Porém, com a maturidade, e ainda segundo Mosco Carner, o estilo de Poulenc "desenvolveu um inconfundível toque pessoal, composto de humor e gravidade, de simplicidade e de sofisticação" que conduziu a sua obra, a pouco e pouco, para vias diferentes. Esta modificação no seu estilo não foi apenas o resultado da evolução natural do pensamento musical de Poulenc, mas reflectiu uma série de acontecimentos de ordem pessoal que, em meados dos anos 30, o afectaram e que o levaram a introduzir profundas alterações na sua vida, nomeadamente em relação à religião. O próprio compositor evoca a forma como, na época, regressou à fé da sua infância:" Sou religioso por instinto profundo e por atavismo. Da mesma forma que me sinto incapaz de uma convicção política ardente, assim me parece natural acreditar e praticar. Sou católico. É a minha maior liberdade. No entanto, a doce indiferença da minha família materna conduziu-me, naturalmente, a uma longa crise de negligência religiosa. De 1920 a 1935 preocupei-me muito pouco, confesso, com as coisas da fé. Em 1936, data capital na minha vida e na minha carreira, aproveitando uma estada de trabalho com Yvonne Gouverné e Bernac em Urzeche, pedi a este que me levasse de carro a Rocamadour [...]. Rocamadour provocou o meu regresso à fé da minha infância. O santuário, certamente o mais antigo de França, tinha tudo o que era necessário para me subjugar. Pendurado, em pleno sol, uma vertiginosa encosta de rocha, Rocamadour é um lugar de paz extraordinário [...]. Na própria noite da visita a Rocamadour comecei as Litanies à la Vierge Noire, para vozes femininas e órgão. Nesta obra tentei transmitir o aspecto de "devoção rústica" que tanto me tinha marcado naquele local". Pierre Bernac, amigo e intérprete de muitas das canções do compositor, diz que, a partir desse momento "um outro artista coexiste [...] em Poulenc que, sem renegar o primeiro, se desenvolverá paralelamente e assumirá o seu atavismo paternal. Usará a mesma linguagem musical mas atingirá a autêntica grandiosidade. Dentro desta linha é necessário citar naturalmente primeiro a sua abundante obra religiosa para coro a cappella (missa, motetos, laudas, orações), ou para coro e orquestra (Stabat Mater, Gloria, Repons des Ténèbres) [...]". Adriana Latino (notas do concerto alcobaça_12abr03) |
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