ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA AMIGOS DO ÓRGÃO

Os pseudo... qualquer coisa

António Simões, 23nov03

No rescaldo de um Congresso

O Congresso " O Órgão na Liturgia, hoje" , realizado em Fátima entre os dias 20 e 22 de Nov2003, veio levantar várias questões que necessitam ser esclarecidas.

Uma vez que, publicamente foram proferidas afirmações que são uma forma muito superficial de julgar o trabalho de quem está no terreno há cerca de 20 anos, e como no próprio Congresso não foi dado tempo para debates mais esclarecedores, a página da APAO está ao dispôr de todos para a continuação desse debate.

Esta crónica é, já por si, uma forma de diálogo. Espero que ela possa ser um ponto de partida.

Como já disse publicamente, não estou à altura de ser crítico (seria um pseudo), e, no quer que seja, procuro ver sempre o positivo das coisas.

Este Congresso “O órgão e a liturgia, hoje”, não foge à regra.

Teve muito de positivo. E estão de parabéns os organizadores. Mas é para nós tema de reflexão e princípio dialogante,  pois,  serviu-nos uma mesa de interrogações que necessitam mais discussão.

E há coisas que não podemos deixar de analisar, da forma como podem ou porquê são ditas, ou se reflectem a mentalidade da hipocrisia dum país ou duma determinada classe.

Efectivamente quando, publicamente se diz que “ em Portugal existem pseudo organeiros” está-se, por um lado, a julgar, sem competência para isso, por outro a defender um outro lado, por razões que desconheço. Ou seja, o que é nosso é pseudo e o que vem de fora, essencialmente de cariz saxónico é que é bom.

Mas, de facto, não existe nenhum curso de organaria em Portugal.

Lamentavelmente, por um lado.

Por outra, uma sorte. Uma sorte para os organeiros estrangeiros (principalmente germanizados) que, gloriosa e ufanosamente se podem passear e actuar no nosso País, fazendo crer que eles é que são os verdadeiros, os únicos! E depois dá o que dá.

Ficará para outra altura a justificação do “dá o que dá” porque estou a falar de “pseudos”.

Mas, de “pseudo”, infelizmente, ou não, todos temos um pouco. Eu, por mim, toda a vida tenho sido um pseudo.  Aos 12 anos comecei a tocar harmónio na igreja da minha aldeia e logo ali me tornei um pseudo tocador de harmónio. Depois,  fiz uns cursos de direcção coral, tipo cursos de férias com direito a diploma, comecei a ensaiar o coro da freguesia, depois outros coros e tunas e tornei-me num pseudo maestro. Fui estudante no seminário de Coimbra, tive pseudo professores, alguns presentes neste Congresso e tornei-me num pseudo estudante, pois, quando quis sair do seminário tive que voltar à “cepa torta” e fazer os estudos no liceu.

O Ministério do Exército requisitou-me para a guerra em Angola.

E logo me tornei num pseudo oficial do exército, com direito a galões de Alferes.

Puseram-me 30 homens à minha responsabilidade e ali me tornei num pseudo defensor da Pátria, e pseudo condutor de homens. Como se isso nãop bastasse, encarregaram-me de fazer os autos de morte dos soldados da companhia, e ali me tornei num pseudo oficial de diligências.

Casei, tive filhos e tornei-me num pseudo pai (nunca fiz curso nenhum para isso).

Comecei a compor, fiz música para crianças, religiosa, coral, orquestrei e tantas outras coisas com notas e, (diabo!) tornei-me num pseudo compositor.

Fui professor durante 12 anos, sempre pseudo, e assim, ... sem cessar, até  que,passados 20 anos de ser mestre organeiro, recebo o diploma oral de pseudo organeiro, com som amplificado e traduzido em várias línguas, neste Congresso, pela voz,  do certamente também pseudo de muita coisa, Cónego A. Ferreira dos Santos. (Como é conhecido por doutor A.Ferreira dos Santos e não se assina como tal, presumo que possa ser um pseudo título...)

Este país é o país da fantasia. Cada um usa os títulos que quer a seu belo prazer. Eles são os doutores disto e daquilo (até os nossos organistas têm que ser doutores quando deviam ter orgulho de ser mesmo organistas. Não se tem um  título só porque se tirou um curso universitário. Tem-se um título quando se exerce uma profissão. Um arquitecto só é arquitecto quando exerce essa profissão ou só  é engenheiro quando realmente  é engenheiro.),  arquitectos, engenheiros, eu sei lá que mais!

Muitos cursos são, realmente verdadeiros cursos, bem orientados, com um programa bem definido. Mas deixem-me que vos diga, a maioria dos cursos portugueses actuais, são cursos da “treta” ou mais precisamente, da fotocópia.

Infelizmente, tenho filhos universitários e sei do que falo, porque também por lá passei.

Mas não troco nenhum curso pela experiência de 20 anos de mestre organeiro nem pelos milhares de contos de livros da minhas estantes, aos quais, sempre que necessito, recorro.

Mestre organeiro, certamente, pseudo, mas comprovada em mais de 50 empregados que já tive que orientar ao longo destes anos, e em cerca de 130 restauros de órgãos com mais de 10 mil tubos construídos (não foram comprados na Alemanha ou na Holanda) na minha empresa.

Não tenho escola nem sou escola de organaria. Mas também por aí existem muitas escolas sem equiparação, apesar de bem subsidiadas pelo estado (nós), e que por isso, são pseudos... Mesmo, incompreensivelmente, escolas estatais, diferem de cidade para cidade, de tal modo que, se começar um curso em Lisboa, ele não tem equiparação em Coimbra, quando se requer uma transferência. E já nem falo nas escolas de organaria portuguesas...

Estou farto de falsos arquitectos, falsos engenheiros, falsos doutores. Mas prestigio aquele que é um bom poeta, nem que seja o Aleixo, que é um bom compositor, nem que seja o Seixas, ou um bom organista, nem que seja o Bach, ou um bom organeiro, nem que seja o António X. Machado e Cerveira, que não precisaram de “cursos da fotocópia” para serem o que conhecemos deles.

Eu também hoje admiro o Dr. A. Ferreira dos Santos, não pelos cursos que tirou na Alemanha. Admiro-o pelo seu gosto e inspiração como compositor, na sua entrega a uma causa ao longo de vários anos, e que, certamente, lhe vem duma célula especial que Deus lhe incutiu à nascença, e que se chama vocação.

Há tanta coisa que não é, forçosamente dum curso livresco. A organaria não pode cingir-se a isso, mesmo que a prática escolar faça parte do programa curricular. É antes de mais uma vocação. É preciso amar, ter espírito de sacrifício, para não desvanecer. É claro, que estou a falar de Portugal.

Eu compreendo que se queira defender uma certa qualidade. Mas lanço aqui o repto: Entreguem-me as verbas e as condições que deram a G. Grenzing para fazer o órgão que actualmente se encontra na Basílica de Fátima e asseguro-vos que farei um  órgão tão bom como esse, e com as mesmas ou mais garantias de qualidade.

A qualidade é, de certa forma, treta. A qualidade é o dinheiro e os jogos de influência.  Seja Grenzing ou outro e todos dirão o mesmo:” por esse preço não podia fazer melhor...” Não vou dar exemplos. Fica para outra ocasião.

Lamento a mentalidade esponjosa do meu país. Aperta o bom que tem, espreme o sumo de si, deita-o fora, para depois absorver aquilo que espuma da fervura do resto do mundo.

Aspiramos os carros e camiões usados, compramos  os órgãos que os outros pagam para verem bem longe, aceitamos os organeiros que, entre milhares, na Europa, estão disponíveis para se dedicarem a Portugal. Certamente o mercado de outros países não é tão famoso e a concorrência é muita, que não chega para todos. Aqui, cozinham-se os projectos e verbas à vontade, porque no nosso país só tem pseudo organeiros.

Para os de cá, ficam as migalhas do banquete, e mesmo essas, só quando  não  ficam de reserva para o próximo .

Ainda bem que as comissões de influência não são constituídas por pseudo influentes, mas por gente bem formada.

Poderia dizer mais, mas fica para a próxima.

António Simões

23Nov2003 

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