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“A Arte e Técnica de Tocar Órgão Aplicadas à

Fuga em Sol Maior de J. S. Bach”

António Mota Dezembro de 2000  - 1/9 

ou

“Receitas Milagrosas para Tocar Melhor!”

A Fuga em Sol Maior de Bach é usada neste trabalho como base para algumas considerações técnicas e interpretativas.

Esta fuga encontra-se no Volume IX da Edição Peters da obra de J. S. Bach para Órgão, o volume consagrado às obras que se desconfiam não ter sido compostas por Bach (sendo a dúvida mais pertinente nuns casos que noutros).

Trata-se, em termos composicionais, duma fuga de escrita relativamente livre, longe dos rigores contrapontísticos de outras grandes fugas. Em termos de técnica de execução, a Fuga em Sol Maior oferece ao organista uma dificuldade ao nível, por exemplo, das fugas da colecção “Pequenos Prelúdios e Fugas” (obras que por sinal também não terão sido compostas por Bach).

Estamos, no entanto, perante uma boa oportunidade para rever e sistematizar alguns conceitos básicos relativos à técnica organística de execução, tratando em paralelo da interpretação da música barroca em geral e de Bach em particular.

E até mesmo para discutir (não pretendo ser o dono da verdade!) algumas decisões de ordem prática que o intérprete frequentemente se depara:

· esta fuga encontra-se escrita a 2 pentagramas, pois o pedal não é obrigatório, podendo na realidade toda a obra ser tocada em apenas um teclado; no entanto, e como era prática nesta altura, mesmo obras com pedal obrigatório raramente eram escritas a 3 pentagramas como se faz nas edições modernas, pelo que nesta fuga podemos treinar a nossa leitura a “filtrar” a parte correspondente ao pedal;

· algumas intervenções do pedal encontram-se explicitamente sugeridas nesta edição, mas outras são deixadas ao critério do intérprete (por exemplo, a sequência do baixo a partir do compasso 41 pode ser tocada com a mão esquerda ou com os pés);

· erros de edição nunca são de excluir, ou mesmo erros de cópia, pois a maior parte dos manuscritos que nos chegaram não são manuscritos originais de Bach; por outro lado, Bach compôs mais de mil obras durante toda a sua vida, frequentemente em situações de dead-line, sendo que nem todas foram alvo de revisões; cabe ao intérprete um olhar crítico sobre o que vai executar, devendo o acto de cortar/acrescentar/alterar, dentro de certos parâmetros, naturalmente, ser considerado como um processo normal de interpretação, assim como o é o acto de registar ou ornamentar; se a verdade só o compositor no seu túmulo saberá, nem sempre essa verdade poderá com toda a certeza estar espelhada na partitura que dispomos; na minha opinião, grave é não nos apercebermo-nos ou não querermos ver inconsistências óbvias, refugiados na cómoda situação de considerar a partitura como intocável, um tabu que parece proliferar em certas escolas; dito isto:

· pode-se considerar no último tempo do compasso 16 não lá e dó naturais mas antes sustenidos, dando continuidade à marcha harmónica que vinha sendo desenvolvida e reforçando a ambiguidade sol maior / mi menor (tónica / relativo menor) que dá um sabor especial ao fim da exposição desta fuga;

· cortar o sol do tenor no compasso 20 (ou melhor, considerar uma duplicação do si) é boa política, evitando oitavas paralelas com o baixo, e ficando inclusive o acorde (desprovido de quinta) a soar melhor desta maneira;

· acrescentar um lá no baixo no compasso 59 é não só evitar um acorde na 2ª inversão, que nas circunstâncias em causa se revela anacrónico, mas sobretudo simplesmente fazer ouvir a última nota do tema da fuga;

· acrescentar um fá# no contralto no compasso 64 é de uma lógica irrefutável, pois não só dá continuidade à linha melódica que se desenvolvia e que não convém desaparecer, como evita a existência de um acorde sem terceira num tempo forte;

· no compasso 78, cortar o ré grave pode facilitar a execução; paralelamente, alterar o acorde final para ré maior, fazendo antes ouvir o dó# e não dó natural (modulação à dominante) seria uma possibilidade face à estranheza do acorde que se encontra escrito, que poderá porventura ser suavizado transformando-o em acorde de dominante, ou então tocá-lo na primeira inversão.

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